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A Arte da Reconciliação
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Muitas pessoas chegam ao Aikido com uma ideia pré-concebida do que este seja. Normalmente seu único contato com o Budo (Artes marciais de origem japonesa, vinculadas à ideia de auto aperfeiçoamento), foi através de filmes ou de alguma demonstração que assistiram de Karate ou Judô. Quando estas pessoas visitam um Dojo de Aikido, quase sempre se sentem frustradas com o que veem, já que não encontram o que esperavam… golpes de alto impacto visual, físico e sonoro! O que acabam na verdade encontrando são movimentos bonitos, circulares e até certo ponto harmoniosos.

A primeira impressão destas pessoas já pré-dispostas a qualificar as artes marciais como algo fisicamente bruto, é quase sempre de surpresa e desagrado pois para seus olhos tudo o que veem é combinado, como se os praticantes estivessem executando algum tipo de ritual ou dança folclórica.

“Isso não funcionaria numa situação real!”… É quase sempre o que pensam e muitas vezes dizem. A prática do Aikido é Budo! Não um simples sistema de defesa pessoal, seus movimentos e formas envolvem tanto o trabalho específico de defesa pessoal, movimentação e posicionamento do corpo, estudo da relação e direcionamento de forças, controle respiratório, emocional… como também trabalhos mais sutis com a consciência do aluno (Na verdade poderíamos dizer que neste aspecto é onde se encontra a pedra fundamental das artes de desenvolvimento interno.). Para as pessoas com um pouco mais de conhecimento sobre o assunto, o Budo é tido como ferramenta para se cultivar as qualidades latentes do ser humano, expandindo seu potencial individual para assim alcançar o benefício de toda a humanidade.

Essas qualidades latentes são tanto internas (ao aluno – “sua consciência”) como externas (situações – ação e reação). Poder-se-ia dizer que a função do Budo é o aprimoramento interno do indivíduo, e que tal aprimoramento começa a partir do cultivo de qualidades que o próprio aluno possui em menor ou maior escala dentro de si mesmo. O Budo utiliza-se de ferramentas para fomentar situações externas e internas durante a prática, onde a ação do aluno torna-se a própria manifestação física de sua consciência (estado mental). Matéria (físico) e consciência (mental) tornam-se movimento, ou seja, ação direcionada que no nosso caso é a manifestação do Aikido. No Ocidente não estamos acostumados a observar a consciência como uma força, já no Budismo (Tibetano) acredita-se na existência de duas forças reais: a matéria e a consciência. É lógico que a consciência depende até certo ponto da matéria, e a alteração ou mutação da matéria depende também da consciência. Através da consciência pode-se alterar a matéria ou corpo físico… no nosso caso isso está invariavelmente relacionado a forma do Kata (forma técnica).

O Aikido é uma arte marcial onde se utiliza movimentos complexos, sempre mantendo um foco consciente de harmonização e não destruição. Quando observamos um soco ou chute sendo usado como simples veículo de destruição, prontamente podemos dizer que tais sistemas marciais (escolas) que os utilizam visando apenas tais aspectos destrutivos do uso do corpo, tem por meta principal simplesmente subjugar o oponente. No Aikido não existe tal uso do corpo ou sentimento puramente de agressão gratuita, seus movimentos exigem algo mais no sentido de que o objetivo não é derrubar ou derrotar a situação, mas sim a harmonização das ações e sentimentos… através do estudo dos fundamentos naturais. Esses fundamentos ou leis naturais envolvem todos os diferentes aspectos das interações de forças do universo.

Nas artes marciais em geral existe a necessidade por parte do praticante de aprender a forma ou Kata. Isso é necessário para que ele desenvolva uma percepção de sua própria movimentação forçada (movimentação pré-concebida por seu próprio corpo e intelecto) e mais profundamente a influência de seu estado mental atual com a execução desta movimentação. Essa movimentação forçada pode ser usada com êxito em uma situação extrema (risco de vida) onde seja necessário se defender de um agressor, porém o que deve ficar claro é que a defesa pessoal em si é somente um subproduto, o estudo principal das artes marciais vinculadas ao espírito do Budo é voltado para a conscientização do resultado restrito da defesa-pessoal. O aluno deve tomar consciência através da execução da forma, que a mesma é restrita a uma determinada situação de agressão. Como provavelmente o aluno vai praticar com pessoas de diferentes características tanto físicas como psicológicas, ele acaba por perceber que o Kata não é uma estrutura fixa, mas sim fluida… suscetível a adaptações necessárias à sua execução dependendo das características únicas de cada ação de ataque. Essa liberdade, ou talvez seja melhor nos referirmos a ela como criatividade por parte do aluno durante a execução de um Kata, é considerado um estágio avançado no treinamento. Essa criatividade e adaptabilidade foi basicamente definida pelo próprio fundador do Aikido, Morihei Ueshiba, como Takemusu Aiki(Um termo frequentemente utilizado pelo fundador para definir o espírito da verdadeira arte marcial japonesa. Em uma tradução livre seria algo como: O Nascimento de técnicas infinitas enraizadas no fluxo natural da Natureza.)

No início o Kata ou forma é executada de forma rígida (modelo pré-estabelecido), não se dando ao iniciante muita liberdade dentro da forma. Neste primeiro contato do aluno com a forma, o mesmo é obrigado a adaptar-se a ela e não o inverso. Com o avanço da prática o aluno consegue executar a forma de maneira mais natural, adaptando-se não mais tanto a ela, mas sim a um período específico da execução da mesma (seqüência específica de movimentos dentro do próprio Kata principal). Sendo assim, o aluno começa a ver que um Kata, exemplo Shomen Uti Dai Iti Kyo Omote, na verdade é formado por vários Katas menores (com funções específicas)… ou seja, seqüências menores de movimentos que somados criam o Kata específico estudado, no caso do nosso exemplo o Dai Iti Kyo. Essa consciência eles já obtêm neste estágio de maneira quase inconsciente, não criando uma nova técnica diferente toda a vez que executa um Kata, mas sim uma nova execução de uma técnica específica (uma aplicação dos princípios inerentes a forma estudada, não necessariamente a construção formal da mesma).

A função do Uke (atacante) dentro do Aikido é bem específica: Empenhar-se em proporcionar um ataque onde seja possível ao Nague(aquele executa) estudar os princípios intrínsecos a uma técnica específica. Portanto, veja bem, é o Uke que oferece a oportunidade de estudá-la. Sem esta compreensão por parte do Uke, o estudo da forma torna-se inviável para o Nague.

O que diferencia o Aikido de outras artes marciais é exatamente esse ponto observado no parágrafo acima, não existe um atacante e um defensor, ou um vencedor e um perdedor. Existe na verdade pessoas ajudando-se mutuamente não através de vitórias ou derrotas, mas através do companheirismo. Muitos professores e esportistas de outras artes marciais, e as vezes até mesmo do próprio Aikido, criticam essa visão fundamentalmente altruísta do Aikido, afirmando ser essa uma ilusão… que o mundo em que vivemos hoje é altamente competitivo, e que você deve ser o melhor através da superação de outras pessoas… e que sem a competição externa o aluno torna-se uma ovelha entre lobos, que sem a competição o aluno não se empenharia tanto em aprender.

Para mim essa atitude de tornar-se o melhor pela superação de outras pessoas, ou depender de um estímulo externo deste tipo (competição simplesmente realizada para demonstrar ou reafirmar um sentimento de superioridade perante outro ser vivo), é obter uma confiança equivocada em si mesmo através da posse de um sentimento de superioridade. Acredito que a força de vontade que leva o aluno a buscar subjugar os demais é a vergonha de ser o mais fraco ou o desejo de torna-se o mais forte… será realmente que o Budo resume-se a isso? Será realmente que estas pessoas estão certas em afirmar que para progredir na vida é necessário possuir este tipo de caráter ou índole? Pelo menos hoje, para mim, acredito que o ser humano possui um potencial muito maior do que simplesmente subjugar os demais… E que o Aikido pode ser uma excepcional ferramenta ou meio para o auto aperfeiçoamento e não simplesmente mais um método de defesa-pessoal.

 

Fonte: Escrito por Rubens Caruso Jr.

Rosemberg
Rosemberg
Sensei Rosemberg Sampaio Gândara Ferreira nasceu em 05 de dezembro de 1966 em Campinas-SP, é Tecnologo Têxtil formado pela FATEC, comerciante e terapeuta na área de shiatsu e reiki. Instrutor da Federação Brasileira de Aikido, é aluno do Sensei Severino Sales 6°Dan, e detentor do 4°Dan faixa-preta.
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